Quando será suficiente?
Algumas palavras sobre saúde mental e experiência pessoal
Este post faz parte de um desafio onde todas as semanas (por pelo menos 1 mês) meus seguidores escolhem / sugerem temas sendo os mais votados a cada semana, o tema sobre o qual irei escrever.

Quando lancei a última enquete, por meio da minha conta no Instagram, já esperava que o tema “saúde mental” ganhasse vários votos. Só não imaginei que isso aconteceria tão rapidamente.
E com tanta gente falando ou querendo ler mais a respeito, isso implica, positivamente, que o assunto está se espalhando com mais facilidade do que nos últimos anos e décadas.
Confesso que no início não tinha ideia de como abordar o assunto de uma forma que não fosse muito agressiva ou insípida. Não sou uma profissional de saúde nem tenho a propriedade de abordar “curas”, “soluções” ou causas gerais. Além disso, estou apenas compartilhando minha experiência e pensamentos aqui, e eles são baseados no que tenho lido e assistido.
Portanto, o intuito desse artigo é servir de fonte de reflexão, a fim de incentivá-los a buscar ajuda e continuar a estimular mais discussões sobre o tema saúde mental com outras pessoas.
Meus 16 e os tabus
Na escola, aprendi que podia cometer tantos erros quanto fosse necessário para absorver uma matéria. Mais tarde, porém, estava condicionada a pensar que deveria ser a melhor. Durante o último ano, senti que estava sendo testada o tempo todo.
Um dia, me vi na sala de emergência porque não conseguia lidar com a pressão engasgada na goela. Mas, na verdade pensei que estava tendo um ataque cardíaco. Eu não conseguia aceitar o que estava acontecendo simplesmente como ansiedade. “Por que eu sentiria isso?” Eu me questionava. Minha família era maravilhosa e me apoiava (e ainda me apóia muuuito), fui para uma boa escola e não tinha que trabalhar. Era quase como se eu não pudesse sentir aquilo, porque para mim esse assunto estava longe de uma realidade desejada, e eu me ocupava o suficiente para pensar nisso. “Esta geração só vem com mimimi” Ouvi falar por aí .

Eu consegui entrar numa das melhores universidades do país, mas ainda não era o suficiente. E não foi o suficiente por muito tempo.
Provavelmente estamos lidando com questões sobre as quais nossos pais, avós e gerações anteriores não foram incentivados a falar.
No início dos meus vinte, o medo da desaprovação durante a seleção de empregos ou dentro de uma cultura de trabalho tóxica me levou a pensar que não era boa em nada. Tive momentos de pensamentos deprimentes e, enquanto forçava e forçava, sem me importar com uma pausa que fosse, uma vez tive ataques de pânico.
Mais tarde, percebi que ninguém iria apontar o problema para mim — especialmente se eu não contasse a ninguém o que estava acontecendo. E agora eu entendo que provavelmente estamos lidando com questões sobre as quais nossos pais, avós e gerações anteriores não foram incentivados a falar.
Os tabus se perpetuarão enquanto não houver ninguém para quebrá-los.
Sempre mais fácil falar do que fazer
Estou quase chegando aos 30 e agora estou finalmente encontrando meu caminho com a psicanálise. “Por que você não tratou o problema antes?” -Você deve estar se perguntando.
Veja bem, na escola, eu não tinha outras responsabilidades além dos meus estudos. No trabalho, eu trabalhava por conta de despesas, para ajudar em casa e nos estudos. No geral, eu “não tinha motivo aparente” para me sentir sobrecarregada. E era difícil explicar para as pessoas ao meu redor que eu precisava de ajuda. “Mas ajuda para quê?”.
Nunca fiz dos meus transtornos mentais uma prioridade porque havia muitos problemas que provavelmente eram mais importantes do que os meus.
Até hoje, também me lembro de algumas falas que ressoam na minha cabeça, como: “Você deveria ter tomado alguns comprimidos” “Existem pessoas que têm que administrar muito mais do que você teve, e estão bem, deixe de besteira” . Se você está passando por momentos difíceis com sua saúde mental, tenho certeza que vai simpatizar com isso. Na época, por ser muito jovem e por não ter ouvido falar em conscientização sobre saúde mental, me sentia culpada por ter o que tinha.

Esses interrogatórios se alinham muito bem com as críticas que Simone Biles recebeu depois de desistir das competições olímpicas. Depois de ler vários comentários, em posts de algumas fontes do Facebook e Instagram, fiquei profundamente decepcionada. Embora muitos tenham demonstrado simpatia por sua decisão, ainda pude ler muitos comentários afirmando que seu ato foi considerado infantil e egoísta.
Ela foi a primeira atleta a se retirar de competições dessa maneira, mas foi uma das muitas mulheres -negras- a admitir publicamente que tinha limites — em um mundo onde geralmente se espera que nós, especialmente os atletas, ultrapassemos os limites.
As mulheres são “frágeis”, mas são criadas para serem as que “fazem tudo”
O preconceito de gênero está muito presente quando falamos sobre saúde mental. As mulheres são condicionadas a serem seres multi atarefados. Vamos começar com as mães: as mulheres (ainda) são consideradas mães ruins se tiverem depressão pós-parto ou qualquer outro distúrbio que as tornem “incompatíveis” com o exercer o papel de mãe perfeitamente. “Elas não são fortes o suficiente”. As mães solteiras são sempre “culpadas”. As mães que trabalham são as “deusas” se puderem provar que sabem fazer malabarismos com tudo na perfeição.
Se você não é mãe e tem algum tipo de transtorno mental, pode estar condenada a receber muitas perguntas antes de ter o problema reconhecido como real e não como o de “uma mulher problemática”.
Esses preconceitos mascarados são possivelmente a pior “ajuda” que você poderia dar a alguém que precisa de apoio. Ou ainda, uma forma de mascarar grande parte de um problema mundial.

“Homens, façam terapia!”
Recentemente li este post brilhante de Bemdito no Instagram onde eles levantam a questão: “Por que é tão difícil para nós, homens heterossexuais e cisgêneros, admitir nossa própria fragilidade?”
Nos anos 90 e no início dos anos 2000, ainda criança no Brasil, muitas vezes testemunhei a ideia de que mulheres que agiam como loucas deveriam procurar terapia, principalmente como um ato de “consertar” suas mentes para que pudessem funcionar adequadamente. Esse conceito foi amplamente difundido em novelas, revistas e comentários aleatórios. E hoje em dia, até me pergunto como era a “terapia” nas décadas anteriores.
Dito isso, não é estranho presenciar “ir à terapia” associado à fragilidade.
A busca por ajuda por si só ainda está sendo desmistificada como uma fraqueza. Embora seja mais comum que as mulheres reconheçam seus limites, para os homens muitas vezes é um “ato difícil”. Como as mulheres são vistas como seres “multi atarefados”, elas cresceram para trazer à tona a discussão sobre saúde mental com mais frequência do que os homens muitas vezes.
Sempre lidamos com a sociedade nos pedindo para “consertar” nossos parafusos soltos, os homens foram criados principalmente para representar força e domínio.

Quando será suficiente?
Enquanto eu procurava um “título cativante” pra por nesse artigo, esta indagação passou pela minha cabeça.
Não podemos mais nos conter e esperar que o problema desapareça. No ano passado, o mundo não estava preparado para lidar com uma pandemia. Além disso, não estava preparado para enfrentar as consequências psicológicas que a acompanhavam. À medida que as coisas gradualmente “voltam ao normal”, ainda há alguma resistência para o desdobramento do problema.
Além disso, embora esse assunto tenha atraído mais atenção, ele também foi absorvido pelo “buraco negro” das tendências. Ainda ontem, enquanto passeava pelo Instagram, muitas das postagens que incluíam hashtags de “saúde mental” nem tinham nada a ver com isso.
Então, trago este título como um ponto de discussão e também um grito para todos aqueles que ainda querem fazer vista grossa ao que se passa: quantos mais casos, tragédias, estudos ou testemunhos bastarão para sustentar a ideia de que…
… todos nós temos limites?
… a saúde mental não é uma piada ou a próxima tendência?
… a saúde mental não é uma desculpa de uma geração de “mimimis”?
… precisa ser aclarada entre mulheres e homens, adolescentes e idosos?
… a terapia e os tratamentos devem ser normalizados e mais acessíveis?
… remédios por si só não serão suficientes para cobrir o cerne do problema?
… isso não nos torna necessariamente fracos, menos dignos ou burros?
… as evidências já são suficientes?